A histeria coletiva do momento: a redução da maioridade penal. E 
depois de baixarmos dos 18 aos 16, o que fazer com os de 14 anos? 
Baixamos novamente? E, depois, como ficam os de 12? O resultado final 
dessa loucura é colocarmos prisões nas maternidades
Por Cesar Mangolin 
A raivosa e conservadora classe média descobriu um novo inimigo – as 
crianças e adolescentes pobres e que cometem crimes – e uma nova solução
 para todos os problemas: a redução da maioridade penal.
Sendo teoricamente mais rigoroso, não podemos tratar como “classe 
social” o que chamamos de classe média. Tendo como elemento unificador 
apenas a execução de um trabalho não manual, seja ele reprodutivo ou 
criativo, o mais correto é falar de “setores médios”, visto que tal 
condição reúne grupos bastante diversificados. A unidade e a 
determinação teórica de uma classe social a relaciona com a inserção de 
determinado grupo nas relações sociais de produção. O que determina a 
burguesia, por exemplo, não é a quantidade de dinheiro e de bens 
materiais que seus membros podem ter, mas o fato de serem proprietários 
privados de meios de produção, por explorarem trabalho alheio e por 
extraírem ou participarem da divisão da mais-valia.
A unidade dos setores médios, tão díspares, tende a se dar no plano 
ideológico e político (me refiro à prática política). Claro que há 
momentos de caminhos também diversificados entre suas camadas, mas um 
anseio e um medo comuns tendem sempre a unificar as camadas médias 
tradicionais, as baixas camadas médias e a camada média que nasce com a 
tecnocracia, filhote da entrada no Brasil das multinacionais e do 
capital monopolista: o anseio é o do aburguesamento; o medo é o da 
proletarização.
Mais do que qualquer classe fundamental, esse setores médios são os 
que levam ao extremo a meritocracia e a ideologia do mérito pessoal, 
assim como fazem a defesa intransigente da escolarização formal como 
atestadora de méritos, ou instrumento que justifica seus supostos 
méritos diante da burguesia na busca por colocação nesse comércio de 
carne humana que chamam de mercado de trabalho. A universalização da 
educação formal interessa diretamente a esses setores: o mito de que 
todos têm as mesmas oportunidades por terem acesso à educação é o que 
serve de base para desqualificar os mais pobres como gente que não se 
empenhou suficientemente. Na ordem do “merecimento”, portanto, primeiro 
vêm os que se dedicaram, depois os vagabundos que são pobres porque 
querem, não porque já eram.
Claro que buscam nas exceções a construção de regras para esta ordem.
 Não é, de fato, muito difícil achar algum indivíduo que poderia ter, 
com algum grande esforço, melhorado suas condições de vida. Mais difícil
 é conseguir pensar que não se trata de indivíduos com vontades ou 
necessidades, mas de um sistema que gera bolsões de miséria como 
resultado de sua própria reprodução, portanto algo que não se resolve 
com vontade. Mais difícil é saber reconhecer que o que, mesmo nesses 
casos excepcionais, representa um esforço descomunal para os filhos de 
famílias pobres, para os filhos dos setores médios é apenas um pequeno 
esforço comparado a um passeio no parque: é assim que poderíamos 
qualificar a diferença brutal do que representa a escolarização formal 
para ambos setores, visto que é pensado e modelado para e pelos setores 
médios.
Mas enfim, ela vive (a classe média) ideologicamente desses momentos 
de histeria coletiva que lhe garante unidade: antes de 1964 o inimigo 
eram os comunistas e a solução a ditadura militar que, é bom lembrar, 
complicou bastante a vida dessa sua aliada de primeiro momento; o 
inimigo já foi a inflação, a migração nordestina, os programas sociais, a
 corrupção, os impostos etc. Agora a solução é a redução da maioridade 
penal.
Já está mais do que demonstrado que os crimes praticados por 
“menores” (para usar o termo corrente) somam 5% do total de crimes. Além
 disso, o crime mais comum, que é o assalto, costuma penalizar mais 
tempo com reclusão esse jovem do que quando é cometido por um adulto: o 
jovem costuma ficar, em média, 12 meses internado; o adulto, condenado a
 cinco anos de prisão, sai da cadeia em dez meses e quando é primário 
nem chega a ser preso.
Mas esse argumento de quem fica mais ou menos preso leva o debate 
para o campo da irracionalidade, próprio da classe média. Nossas prisões
 jamais foram ambientes nos quais podemos “re-socializar” pessoas.
O que está por detrás disso então?
Na verdade, o que está por trás da questão é a incapacidade da classe
 média de pensar as relações nas quais vivemos. Seu universo ideológico 
impede que pense nossas relações como relações de exploração entre 
classes, como relações que, em proveito e pela lógica da lucratividade, 
marginalizam milhões de pessoas.
Para que este problema da criminalidade se resolva, de uma vez por 
todas, devemos atacar a raiz do problema, sua causa diretamente, e não 
radicalizar na punição dos seus efeitos. Não deixará de haver 
criminalidade por causa do aumento de penas. Não deixará de haver porque
 reduzimos os anos para prender alguém. E depois de baixarmos dos 18 aos
 16, o que fazer com os de 14 anos? Baixamos novamente?
 E, depois, como ficam os de 12? O resultado final dessa loucura é 
colocarmos prisões nas maternidades, para que os que nascem já 
predispostos ao crime sejam presos imediatamente! Há gente imbecil que 
anda defendendo que a tendência ao crime vem do berço.
Isso não pode ocorrer, claro. Não pode ocorrer porque é essa massa de
 miseráveis que deve crescer, aprender as operações básicas da 
matemática e da língua portuguesa para ser explorada pelo capitalista. 
Os que não encontrarem colocação, ou não puderem/aceitarem viver com a 
miséria do salário que recebem, esses que acabam partindo para o crime 
porque vivem numa sociedade criminosa (porque baseada no roubo desde a 
raiz) e egocêntrica que lhes dá o exemplo, esses devem ser presos ou 
mortos. Tanto faz à classe média: ela sorri diante dos grupos de 
extermínio, da matança de pobres etc.
Resolver o problema na raiz também não pode acontecer para a classe média.
 O sonho do aburguesamento tem como pressuposto a manutenção dessa 
ordem. Os bolsões de miséria são o esteio da classe média. Ela apenas 
quer que o Estado e a polícia coloquem fim nessas ameaças cotidianas. 
Todos sabem que, por mais miseráveis que sejam os salários e as 
condições de vida das populações nas periferias das grandes cidades, 
quase todos os que vivem por ali são trabalhadores, gente que se vira 
como pode, sem fazer mal a ninguém. Vivem como carneiros, um grande 
rebanho, do pasto ao curral, do curral ao pasto, aceitando e vivendo sob
 as piores condições e humilhações.
A classe média precisa que a ordem persista a mesma, pois esta é a 
condição da sua existência. Por isso não pode avançar para além dos 
interesses imediatos, para além da tentativa de remediar os efeitos mais
 danosos da ordem na sua concepção: aqueles que saem do rebanho e acabam
 por tumultuar sua vidinha besta.
Não defendo a criminalidade, nem a dos que saem do rebanho de forma 
equivocada e praticam atrocidades, muito menos a do capitalista que vive
 da exploração dos outros e a da classe média que incentiva massacres. 
Defendo que nossa luta deve se voltar para atacar as causas, o que torna
 a solução para esses problemas uma via revolucionária. Sem 
transformação social não resolvemos esse problema da criminalidade, nem 
aquele dos que vivem humilhados uma vida de rebanho, esperando pelo céu 
para viver em paz.
Ouvi de alguém bem inteligente que quando precisamos nos livrar das 
moscas não basta espantá-las, temos que limpar o local que as atrai.
Para a classe média, por sua própria condição, não podemos limpar a 
área que atrai as moscas. A classe média vive dessa sujeira toda!
Sua existência exige, portanto, que tudo fique como está. No máximo, 
seus mais bem intencionados filhos tentarão saídas, dentro da ordem, 
para limpar um tanto o ambiente das moscas. Tapear a sujeira, porém, não
 engana mosca alguma, assim como lançar perfume em merda pode apenas 
multiplicar seu fedor.