O relatório das discussões ocorridas no seminário
popular sobre o "Desenvolvimento Local e Direito à Cidade" ocorrido em Natal no dia 28 de março
passado, está concluído.
Esse relatório é a Carta de Natal, documento que
deu voz às organizações comunitárias dos bairros de Natal e aos movimentos
sociais.
Nela é apontada a necessidade de amplo esforço
nacional, por parte das três esferas de governo, em favor do desenvolvimento
local das comunidades de baixa renda. Os eixos desse processo de
desenvolvimento são o planejamento local, a oferta de equipamentos sociais
estratégicos, (estrutura cultural, desportiva e de lazer) a gestão
participativa dos equipamentos e o controle social. Entre outras coisas a Carta
propõe uma profunda atualização metodológica do “Orçamento Participativo”.
Uma agenda de visitas às autoridades públicas das
três esferas de governo e à sociedade organizada deverá ser implementada com
vistas a dar visibilidade aos pleitos e recomendações nele contidos.
O documento que propõe soluções aos problemas concretos
que nos amarram a um subdesenvolvimento crônico, a necessidades sempre adiadas
e a um processo emancipatório precário incompleto.
A
Carta de Natal
Desenvolvimento
Local e Direito à Cidade
As entidades e
movimentos sociais organizados da cidade do Natal, presentes no dia 28 de março
de 2015, no Ginásio Poliesportivo Arena do Morro, no bairro de Mãe Luiza,
Natal, trazem à população da cidade, do estado e do Brasil o relato do seu debate,
os seus conceitos, recomendações e sugestões para a garantia da continuidade do
processo de inclusão social, de desenvolvimento local e de direito à cidade,
todos eles cruciais para a emancipação plena e irreversível da população que
ainda vive em meio à precariedade e à exclusão social.
I Introdução
Os anos
recentes da história do Brasil foram marcados por importantes avanços no plano
da distribuição de renda e da equidade em inúmeras áreas. Apesar disso, o
modelo da presença do poder público nas comunidades periféricas de todo o país
não evoluiu. Além do abastecimento de água e eletricidade, o Estado se faz
presente, nas periferias, através da escola, comumente precária, da unidade de saúde,
frequentemente insuficiente, de creches e da delegacia de polícia, que, muitas
vezes, mais amedronta do que traz segurança.
Tal estrutura
precária e limitada deve ainda melhorar muito e encontrar meios pelos quais
possa efetivamente estar a serviço das comunidades, no entanto o próprio modelo
de presença do poder público nas periferias deve evoluir com o propósito de
assegurar o aprofundamento e a ampliação de um processo de inclusão social que
não pode parar ou retroceder.
Por isso
pautamos nossas diretrizes sobre desenvolvimento local e direito à cidade,
grandes áreas nas quais se situam o processo de inclusão que almejamos.
II Conceitos
Entendemos que
o desenvolvimentos local abrange o processo através do qual as comunidades vão resolvendo os seus problemas
cotidianos, com organização e participação social, abrangendo a ação
colaborativa do Poder Público, resultando numa agenda de políticas públicas,
com definição de Programas e
Equipamentos Sociais Estratégicos que permitem mais organização
comunitária, mais emancipação e uma vida mais digna entendida como um direito.
Reafirmamos o
Direito à Cidade, como o processo através do qual a cidadania vai se
apropriando de uma cidade cada vez mais acessível, segura e amigável produzindo
alcance universal ás oportunidades e ofertas culturais, esportivas de lazer e
outras, nela existentes e ainda restritas, num contexto que garante o direito à
terra urbanizada e à moradia digna, com participação social.
Consideramos
Equipamentos Sociais Estratégicos como o Conjunto de Equipamentos Sociais
capazes de materializar oportunidades para as comunidades em múltiplas áreas,
assim como de garantir que a vida possa transcorrer de forma digna e plena. São
exemplos de Equipamentos Sociais Estratégicos as bibliotecas, os teatros, as
alamedas pedestres, os ginásios poliesportivos, as piscinas públicas, os
centros culturais, as casas de idosos, ou os centros de velório, todos eles
comumente ausentes das comunidades de baixa renda, resultando numa vida
permeada de precariedades, dificuldades e sofrimentos.
III. Eixos Fundamentais
São
pressupostos fundamentais da reflexão produzida no Seminário os seguintes
tópicos:
A)
Planejamento
Local Participativo, Acesso à Cidade e Equipamentos Sociais Estratégicos.
B)
Financiamento
Público dos Projetos.
C)
Gestão
Compartilhada dos Equipamentos Sociais Estratégicos (Estado/Comunidades).
D)
Controle
Social das Políticas e Orçamentos Públicos.
IV. Recomendações e sugestões
A)
Planejamento
Local Participativo, Acesso à Cidade e Equipamentos Sociais Estratégicos
O Seminário sugere
1.
às
comunidades locais, através de suas entidades: o mapeamento dos espaços
públicos disponíveis e recomenda ao Poder Público a proteção e afetação dos
mesmos para a agenda do desenvolvimento local;
2.
à
Sociedade Civil Organizada: a organização de fóruns zonais nas cidades para o
debate, o planejamento e o controle social das iniciativas da agenda do
Desenvolvimento Local e para fomentar a criação e o funcionamento de Conselhos
Locais de Esporte e Lazer, Cultura e demais conselhos, representativos das
comunidades;
3.
à
Sociedade Civil Organizada, às associações profissionais e entidades
interessadas pelo direito à cidade: a organização de seminários e conferências
regionais para dotar as comunidades das periferias e suas lideranças dos
conhecimentos legais, urbanísticos, administrativos, orçamentários e outros
necessários à concretização da agenda do desenvolvimento local.
O
Seminário recomenda:
4.
ao Poder
Público: que os Equipamentos Sociais Estratégicos, da agenda do desenvolvimento
local, tenham, obrigatoriamente, elevado padrão de qualidade de projeto e de
execução;
5.
aos
responsáveis por sua elaboração: que o Plano Diretor de Mobilidade, a Política
Municipal de Mobilidade e os projetos e obras voltados à mobilidade assegurem o
acesso da população à cidade, à educação, aos equipamentos sociais, à cultura e
ao lazer, com especial atenção para as famílias numerosas e populações de baixa
renda;
6.
ao Executivo
municipal: o estudo da criação de uma empresa pública de transportes urbanos mais
capaz de dar cumprimento às políticas públicas de mobilidade e de responder à
necessidade dos cidadãos, saindo da lógica da precarização do transporte nas
linhas tidas como deficitárias ou da máxima rentabilidade, que gera ônibus
lotados e má qualidade dos serviços.
B)
Financiamento
Público
O
Seminário recomenda
1.
aos
legisladores e ao Poder Executivo: o aprofundamento metodológico do Orçamento
Participativo para que incorpore:
a)
o
planejamento local de médio e longo prazos, que possa ser buscado ano a ano por
aproximações sucessivas e
b)
a
formação de consensos que possibilitem menor pulverização de recursos,
possibilitando a materialização de projetos de maior porte, contidos na agenda
do desenvolvimento local, suscetíveis de produzir maior impacto positivo sobre
o cotidiano das comunidades;
2.
ao
governo federal e estadual: considerar os aportes municipais para o Orçamento
Participativo como contrapartida para triplicar os recursos disponíveis;
3.
aos
executivos e legislativos municipais, estaduais e federal: que mudem a cultura
dos financiamentos públicos, centrada na construção de grandes obras (pontes,
viadutos, portos, aeroportos, etc), e atribuam a devida prioridade à
infraestrutura cultural, desportiva e de lazer tão necessária às comunidades. Em
Natal, por exemplo, a obra da Nova Ponte sobre o Potengi custará cerca de R$
400.000.000 (quatrocentos milhões de reais) recursos suficientes para assegurar
um investimento de R$12.000.000 (doze milhões de reais) em equipamentos sociais
para a totalidade das comunidades de baixa renda da cidade, dimensionadas por
agrupamentos de 20.000 habitantes e totalizando 660.000 pessoas.
C)
Gestão
Compartilhada dos Equipamentos Sociais Estratégicos (Estado/Comunidades)
O
Seminário recomenda:
1.
ao
Poder Público e comunidades: que os Equipamentos Sociais da agenda do
desenvolvimento local sejam geridos de forma compartilhada e bipartite entre o Poder
Público representado por suas Secretarias afins e as comunidades representadas
por suas entidades, através de Conselhos Locais de Esporte, Cultura e Lazer.
2.
ao Executivo
e Legislativo: a adoção de lei específica que possa regular, quando houver
necessidade, a gestão compartilhada dos Equipamentos Sociais.
D)
Controle
Social
O
Seminário sugere:
1.
às
comunidades, à sociedade civil organizada e recomenda ao Poder Público: que
tenham especial atenção quanto à regulação do uso e ocupação do solo nas áreas
beneficiadas por Equipamentos da agenda do desenvolvimento local, no sentido de
evitar uma previsível especulação imobiliária e fundiária capazes de expulsar a
população alvo por pressão do mercado. Em Mãe Luiza, a condição de Área
Especial de Interesse Social, AEIS, e a lei específica de uso e ocupação do
solo foram fatores importantes para assegurar a estabilidade de preços na área
de instalação do Ginásio Arena do Morro;
2.
que
a sociedade civil organizada e o Poder Público façam preceder as doações e
cessões de terrenos públicos por consultas públicas locais e pelo crivo do Conselho
da Cidade (Concidade), com vistas a assegurar a proteção dos espaços
estratégicos para a agenda do desenvolvimento local;
3.
que
a sociedade civil organizada e o Poder Público revejam e atualizem os
regimentos e composição dos conselhos afeitos ao controle social, muitos dos
quais criados por legislação antiga e ultrapassada, com o propósito de fomentar
a participação e o controle social.
Natal, 11 de abril de 2015
Lista das
entidades com representantes presentes nos debates do Seminário
Desenvolvimento
Local e Direito à Cidade
1. Associação para o Desenvolvimento de
Iniciativas de Cidadania, ADIC – Passo da Pátria
2. Centro Sócio Pastoral Nossa Senhora da
Conceição, Mãe Luiza
3. Comitê Popular Natal de Direitos
4. Conselho Comunitário da Ocidental de
baixo
5. Conselho Comunitário das Quintas
6. Conselho Comunitário do Areado
7. Conselho Comunitário do bairro de Bom
Pastor
8. Conselho Comunitário do bairro de Felipe
Camarão
9. Conselho Comunitário do bairro Planalto
10. Conselho Comunitário do Conjunto Cidade
Satélite
11. Conselho Comunitário Nova Cidade
12. Conselho Comunitário Nova República
13. Conselho do bairro Guarapes
14. Federação Estadual dos Conselhos
Comunitários, FECEB
15. Forum Zona Oeste
16. Fundação Ameropa
17. IRIS
18. Movimento dos Focolares
19. Movimento Mangue Vivo
20. Movimento Viva Mãe Luiza
21. Núcleo de Ação Social e Cidadania, NASC
22. Partido dos Trabalhadores, PT
23. Portal O Momento
24. Projeto Motyrum – UFRN
25. Rede Evangélica Nacional de Ação Social,
RENAS
26. Serviço de Assistência Rural –
Arquidiocese de Natal
27. Sindicato dos Transportes Alternativos,
Sitoparn
28. Viva Mãe Luiza
O
Seminário contou com a presença de cerca de 165 pessoas de todas a Natal.